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A “ERA UMA VEZ” é a revista do Serviço Educativo Cultura Santa Cruz.


Foi criada pela Rafaela Rodrigues e pela Raquel Gonçalves para divertir todos e mais alguns que possam chegar atrasados. Nesta Edição Especial Feira do Livro vamos andar

à volta da Liberdade, aquela que todos falam, a que nos faz sonhar, a que nos faz crescer, a que é frágil e que temos de proteger.

A LIBERDADE

Um dia, há 50 anos, a liberdade saiu à rua.

Era uma liberdade que tinha a forma de cravo, de botas de soldados e de tanques

que disparavam esperança em vez de balas.

Ou melhor, a liberdade tinha era mesmo a forma de floristas e de músicas que foram senhas; e de soldados com pistolas que disparavam os cravos das floristas.

Assim é que era.

Tempos mais tarde, a história diria que foi uma revolução bonita, que é o que se costuma dizer das flores e das revoluções com flores nas mãos. Também se costuma dizer o mesmo de dias de sol, e de crianças, e de alguns adultos que não se esquecem de ser crianças.

E foi durante essa revolução que a liberdade derrubou um senhor que até já tinha, em tempos, caído de uma cadeira. Acontece aos melhores e também aos ditadores.

É um cansaço que lhes dá.

E assim, de tanto cair, já lhe doíam as costas.

Doíam-lhe as costas a ele e ao país, cansado de andar vergado pelo peso da ditadura, que é a palavra contrária à liberdade.

O senhor muito sério, que a Revolução derrotou, não gostava nada de livros, nem de canções que falavam de liberdade. Não gostava de poetas, nem de cantores com pensamentos como cabelos soltos ao vento.

Esse senhor muito sério tinha uma polícia que riscava os livros e as canções com um lápis azul muito feio e muito triste. Tão triste como o país e as pessoas que viviam nele. De certo modo, até o senhor que a liberdade derrubou era triste à sua maneira.

A polícia que riscava livros com uma cor azul triste, também tinha problemas com pessoas que se reuniam, sobretudo se fossem mais de três. Era um problema de liberdade, mas também se pode dizer que era um problema de matemática. Uma matemática que só sabia contar até três. Uma matemática muito pequena, portanto.

Depois, veio a liberdade e multiplicou a alegria e tornou a matemática maior

e mais livre.

E agora ao senhor já não lhe doíam as costas.

E o país também já se endireitava como se novo.

E até uma poeta escreveu um verso que falava de um dia “inteiro e limpo”, como se alguém tivesse limpado a poeira ao país e toda a gente pudesse agora respirar melhor.

A liberdade é como não ter sinusite, nem estar constipado. É como não ter dores nas costas. Respira-se melhor e anda-se de costas direitas. É assim a liberdade.

 

 Raquel Gonçalves